domingo, 23 de março de 2014

As marchas, as contramarchas e as mentiras históricas. por Roney Maurício

agência O Dia
Estou já há um bom tempo "militando" nas redes sociais, mas confesso que poucas vezes vi um clima de tamanha animosidade quanto o que se criou com as recentes marchas da "Família" e "Antifascista". A novidade agora é que os ânimos alterados não se limitam mais aos opostos ou adversários políticos, mas contaminam as relações até entre aliados ou "amigos". Alguém que esteja cotidianamente posicionado contra o atual grupo no poder, contra suas teses e seu esquerdismo infantil; pode se ver atacado por quem concorda em tudo, exceto quanto à realização de uma marcha evocando intervenção militar numa democracia. As paixões só não terminam em vias de fato porque, felizmente, estamos em ambiente virtual... Mas, afinal, quem representa estas paixões? Em nome de quem e do quê alguns querem marchar com Deus e outros impedir que marchem os "fascistas"?

Bem, os dois grupos antípodas são perdedores e, por isso, faz todo o sentido o esforço que fazem para mudar a História. A turma que se dispôs a ir para as ruas "enfrentar" a Marcha da Família, é a mesma que apoia as Comissões da Verdade, que quer revogar a Lei da Anistia e que quer punir generais velhinhos que ainda sobreviveram aos muitos anos passados. Essa gente perdeu em várias instâncias. Primeiro, perderam a "guerra" propriamente dita: foram mortos, torturados, exilados e, finalmente, anistiados. Estiveram ao largo do processo histórico que permitiu ao Brasil voltar à normalidade democrática. Foram meramente beneficiários desse processo; não atores, nem autores. 

Agora querem vender a tese, impossível de se confirmar pela História, de que sacrificaram-se para o país voltar à democracia. MENTIRA! Em sua grande maioria, quem se meteu na luta armada tinha perfil revolucionário e queria instalar no país o que, no passado, chamava-se de "ditadura do proletariado". Esta mesma, também derrotada pela História. Não, não lutaram pela volta da democracia; ao contrário, foram motivo ou instrumento do fechamento progressivo do regime. Por isso precisam tanto do "perdão histórico" que tentam obter (inutilmente) com as Comissões da Verdade. Apenas a execração pública de seus adversários à época pode dar a sensação de que foram de fato heróis e não apenas tolos radicais que todos sabem que eram. Quando se auto-intitulam antifascistas querem, por osmose, identificar-se com grupos que, no passado e em outros países, combateram o nazi-fascismo. Como qualquer um minimamente informado sabe, nesses grupos tinha-se de tudo, menos comunistas da linha oficial...

Do outro lado também só há perdedores. O próprio regime militar o maior deles: pois que findou com o rabo entre as pernas, deixando uma onerosíssima herança em termos políticos, econômicos e sociais. A crise econômica é a mais evidente, já que condenou o país a uma década perdida e a uma inflação que nos tomou 20 anos para debelar. Mas não a única: o Brasil, que ainda exibe vergonhosos índices sociais, já foi muito pior. Já foi o país com a maior desigualdade de renda do mundo e índices africanos de desenvolvimento humano. Que melhoraram sobremaneira nos últimos 20 e poucos anos. Do ponto de vista político o desastre também é visível e basta ver a turma que hoje disputa as eleições presidenciais para entender o quanto o regime prejudicou a formação de novas lideranças políticas. 

Quem defende o regime militar também quer a reabilitação histórica e como seus contrários, usa a demonização do adversário e a mistificação como instrumentos. Para justificar a ilegalidade e a deposição de um governo constitucional apelam para a paupérrima tese do "contragolpe revolucionário". Como seus contrários querem se vender como salvadores da democracia, quando foram, eles sim, agentes da quebra da normalidade institucional. Pior: justificam o fechamento do regime e a violentíssima repressão que se seguiu à ação de um bando de adolescentes. Estes, que se julgavam os castristas do Brasil, pensavam que tomariam o poder com meia dúzia de combatentes em longínquas selvas ou nas cidades coalhadas de militares e seus agentes... 

Opostos na visão da história e na concepção do mundo e tão parecidos nos resultados concretos e nos métodos, defensores e opositores do regime militar são os perdedores tentando reescrever a História. E quem ganhou, que não esteve em nenhum desses dois lados, agora corre os riscos associados ao renascimento desses dois fantasmas!

Roney Maurício é economista

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